Foto: Walter Firmo |
Resultante de uma parceria entre o CCBB e o Instituto Moreira Salles (IMS), a exposição “Walter Firmo: No verbo do silêncio a síntese do grito”, que estreou em São Paulo, no IMS Paulista, passou pelas cidades do Rio de Janeiro e Brasília, com patrocínio do Banco do Brasil, e agora chega à capital mineira. As imagens da mostra comprovam a opção do fotógrafo pela figura humana, especialmente pela pele negra, que aparece em todas as matizes, tanto nas fotos coloridas quanto nas imagens em preto e branco.
“O verbo do silêncio é a própria fotografia. Que você se encanta e quer traduzir através do seu sentimento e inteligência. A síntese do grito é o registro”, escreveu o fotógrafo Walter Firmo em 1988. Conhecido como “o mestre da cor”, suas fotografias antecipam em mais de meio século a representação do negro na sociedade brasileira e não necessariamente dentro de uma estética documental. “Acabei colocando os negros numa atitude de referência no meu trabalho, fotografando os músicos, os operários, as festas folclóricas, enfim, toda a gente. A vertigem é em cima deles. De colocá-los como honrados, totens, como homens que trabalham, que existem. Eles ajudaram a construir esse país para chegar aonde ele chegou”, ressalta Walter Firmo.
Dividida em núcleos temáticos, a mostra traz retratos memoráveis de grandes nomes da música brasileira, como Cartola, Clementina de Jesus, Dona Yvone Lara e Pixinguinha, além de imagens de brasileiros e brasileiras anônimos(as), pescadores, vendedores ambulantes, mães de santo, brincantes, casais, noivas, crianças e até a própria família do artista. A exposição lança luz ainda à importante trajetória de Firmo como fotojornalista. Um dos destaques é a seção dedicada à fotografia em preto e branco do artista, pouco conhecida e, em grande parte, inédita.
“Walter Firmo incorporou desde cedo em sua prática fotográfica a noção da síntese narrativa de imagem única, elaborada através de imagens construídas, dirigidas e, muitas vezes, até encenadas. Linguagem própria que, tendo como substrato sua consciência de origem – social, cultural e racial – desenvolve-se amalgamada à percepção da necessidade de se confrontar e se questionar os cânones e limites da fotografia documental e do fotojornalismo. Num sentido mais amplo, questionar a própria fotografia como verossimilhança ou mera mimese do real”, afirma o curador Sergio Burgi, coordenador de fotografia do IMS, que assina a curadoria ao lado de Janaina Damaceno Gomes, professora da UERJ e coordenadora do grupo de pesquisa “Afrovisualidades: Estéticas e Políticas da Imagem Negra”.
A exposição é uma oportunidade para o público conhecer em profundidade a obra de um dos maiores fotógrafos brasileiros, que mantém até hoje seu compromisso com o fazer artístico: “Aí está o meu relato, a história de uma vida dedicada ao fazer fotográfico, dias encantados, anos dourados. Qual a minha melhor imagem? Certamente aquela que em vida ainda poderei fazer. Emoções, demais”, conclui Walter Firmo.
A EXPOSIÇÃO
“Walter Firmo: no verbo do silêncio a síntese do grito” está dividida em cinco núcleos temáticos: Abertura/ Negritude, subúrbio e periferia/ Retratos; Encantamentos e experimentações/ Diáspora; Cronologia /Início de carreira; Preto e branco.
No primeiro, o público encontra cerca de 20 imagens em cores, de grande formato, produzidas ao longo de toda a sua carreira. Há fotos feitas em Salvador (BA), como o registro de uma jovem noiva na favela de Alagados (2002); em Cachoeira (BA), como o retrato da Mãe Filhinha (1904-2014), que fez parte da Irmandade da Boa Morte durante 70 anos; e em Conceição da Barra (ES), onde o fotógrafo retratou o quilombola Gaudêncio da Conceição (1928-2020), integrante da Comunidade do Angelim e do grupo Ticumbi, dança de raízes africanas; entre outras.
O segundo núcleo, Encantamentos e Experimentações, apresenta a biografia do artista, abordando os seus primeiros anos de atuação na imprensa, quando registrou temas do noticiário, em imagens em preto e branco. O conjunto inclui uma fotografia do jogador Garrincha, feita em 1957; imagens de figuras proeminentes da política nacional, como Jânio Quadros e Juscelino Kubitschek; além de registros de ensaios de escolas de samba do Rio de Janeiro. Também há fotografias feitas para a reportagem “100 dias na Amazônia de ninguém”, publicada em 1964 no Jornal do Brasil, pela qual Firmo recebeu o Prêmio Esso de Reportagem.
Nas seções seguintes, a retrospectiva evidencia como, no decorrer de sua carreira, Firmo passou a se distanciar do fotojornalismo documental e direto, tendo como base a ideia da fotografia como encantamento, encenação e teatralidade, em diálogo com a pintura e o cinema. Isso fica evidente no ensaio realizado em 1985 com seus pais (José Baptista e Maria de Lourdes) e seus filhos (Eduardo e Aloísio Firmo), no qual José aparece vestindo seu traje de fuzileiro naval, função que desempenhou ao longo da vida, ao lado de Maria de Lourdes, que usa um vestido longo, florido e elegante. O ensaio faz alusão às pinturas “Os noivos” (1937) e “Família do fuzileiro naval” (1935), do artista Alberto da Veiga Guignard (1896-1962).
Como destaque, a exposição apresenta retratos de músicos produzidos por Firmo, principalmente a partir da década de 1970. Nas imagens, que ilustram inúmeras capas de discos, estão nomes como Dona Ivone Lara, Cartola, Clementina de Jesus, Paulinho da Viola, Gilberto Gil, Martinho da Vila, Maria Bethânia, Caetano Veloso, Milton Nascimento, Djavan e Chico Buarque. Nesse conjunto, está também a famosa série de fotografias de Pixinguinha feita em 1967, quando Firmo acompanhou o jornalista Muniz Sodré em uma pauta na casa do compositor. Após o término da conversa, o fotógrafo pegou uma cadeira de balanço que ficava na sala da residência, colocou no quintal, ao lado de uma mangueira, e propôs que Pixinguinha se sentasse nela com o saxofone no colo. Assim registrou o músico, em uma série de imagens que se tornaram icônicas.
A exposição traz também um ensaio com fotografias do artista Arthur Bispo do Rosário para a revista IstoÉ, em 1985, feitas na antiga Colônia Juliano Moreira, onde Bispo ficou confinado e criou seu acervo ao longo de cerca de 25 anos.
A retrospectiva apresenta diversos registros produzidos durante celebrações tradicionais brasileiras, como a Festa de Bom Jesus da Lapa, a Festa de Iemanjá e o próprio Carnaval do Rio de Janeiro. Há também um núcleo com fotos de personagens da diáspora, feitas em outros países, como Cuba, Jamaica e Cabo Verde.
Na mostra, o público poderá assistir, ainda, ao curta-metragem “Pequena África” (2002), do cineasta Zózimo Bulbul, no qual Firmo trabalhou como diretor de fotografia e que trata da história da região que recebeu milhões de africanos escravizados. Também há um núcleo dedicado à fotografia em preto e branco, ainda pouco conhecida e em grande parte inédita, cujo destaque é a série de imagens feitas na praia de Piatã, em Salvador, entre o final dos anos 1990 e o início dos anos 2000.
SOBRE O ARTISTA
Walter Firmo nasceu em 1937 no bairro do Irajá, no Rio de Janeiro, e foi criado no subúrbio carioca. É filho único de paraenses – seu pai, de família negra e ribeirinha do Baixo Amazonas, e sua mãe, de família branca portuguesa, nascida em Belém. Firmo começou a fotografar cedo, após ganhar uma câmera de seu pai. Em 1955, então com 18 anos, passou a integrar a equipe do jornal Última Hora, após estudar na Associação Brasileira de Arte Fotográfica (Abaf), no Rio. Mais tarde, trabalharia no Jornal do Brasil e, em seguida, na revista Realidade, como um dos primeiros fotógrafos da revista. Em 1967, já pela revista Manchete, foi correspondente, durante cerca de seis meses, da Editora Bloch em Nova York.
Neste período no exterior, o artista teve contato com o movimento Black is Beautiful e as discussões em torno dos direitos civis, que marcariam todo seu trabalho posterior. De volta ao Brasil, trabalhou em outros veículos da imprensa e começou a fotografar para a indústria fonográfica. Iniciou ainda sua pesquisa sobre as festas populares, sagradas e profanas, em todo o território brasileiro, em direção a uma produção cada vez mais autoral.
Circuito Liberdade
O CCBB BH é integrante do Circuito Liberdade, complexo cultural sob gestão da Secretaria de Estado de Cultura e Turismo (Secult), que reúne diversos espaços com as mais variadas formas de manifestação de arte e cultura em transversalidade com o turismo. Trabalhando em rede, as atividades dos equipamentos parceiros ao Circuito buscam desenvolvimento humano, cultural, turístico, social e econômico, com foco na economia criativa como mecanismo de geração de emprego e renda, além da democratização e ampliação do acesso da população às atividades propostas.
Walter Firmo: No verbo do silêncio a síntese do grito
Data: de 12 de julho a 18 de setembro de 2023
Local: Galerias do Térreo - Centro Cultural Banco do Brasil Belo Horizonte (Praça da Liberdade, 450 – Funcionários, Belo Horizonte).
Horários de visitação: de quarta a segunda, das 10h às 22h.
Ingressos gratuitos, retirados pelo site bb.com.br/cultura ou na bilheteria física do CCBB.
Classificação Indicativa: Livre
Mais informações: 31 3431 9400 – bb.com.br/cultura
E-mail: ccbbbh@bb.com.br
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